Vez por outra, surgem aqui nas redes sociais vozes que sugerem que falar do Presidente João Lourenço deveriam ser um direito exclusivo deles – eles, os bajuladores profissionais. Sou cidadão angolano, no uso de todos os meus direitos constitucionalmente consagrados. Por isso, assiste-me, também, o direito de falar sobre e do Presidente do meu país.
Por Graça Campos (*)
Goste-se ou não dele, o cidadão João Lourenço é o Presidente deste país e não chegou ao posto por via de golpe de Estado ou de outro expediente menos recomendável.
Como cidadão consciente, sinto-me incomodado que o Presidente do meu país se torne alvo da chacota popular; não me sinto à vontade que o Q.I. do presidente do meu país seja equiparado a determinada quantidade de kilobytes.
Mas sinto-me ainda mais incomodado quando um chefe de Estado estrangeiro vaja ao nosso a bordo de um voo comercial de uma aeronave da nossa companhia aérea de bandeira.
Incomoda-me que, com esse gesto, o Presidente Marcelo de Sousa Rebelo esteja a “dizer” ao Presidente João Lourenço que ninguém apanha sarna por viajar num avião da TAAG.
Incomoda-me que um Chefe de Estado estrangeiro “diga” ao nosso Presidente que chegou a Luanda são e salvo transportado pela companhia aérea nacional.
Como cidadão atento, estou a par de informações que atribuem ao Presidente João Lourenço alguma intolerância à opinião contrária; como cidadão avisado deste país vejo reacções algo rudes do Presidente da República a algumas críticas.
Como cidadão atento deste país, registo que o Presidente da República já engavetou compromissos como o de combater a bajulação e que já sucumbiu “às delícias” do elogio interesseiro.
Como cidadão deste país registo, com crescente preocupação, que o Presidente João Lourenço cada vez mais se afunda no mesmo ardil que coisificou o seu antecessor, fazendo dele propriedade de uns poucos.
Como cidadão, é com crescente inquietação que registo o crescente distanciamento do Presidente da República do cidadão comum.
Como cidadão que tem os olhos bem abertos, vejo que o Presidente João Lourenço está a deixar-se conduzir pelos mesmos caminhos de endeusamento e que convenceram o seu antecessor de que sabedoria, clarividência e outras eram virtudes exclusivas suas.
Como cidadão atento, admito que o Presidente João Lourenço não esteja a fazer o suficiente para se distanciar dos aduladores profissionais. Que não esteja a fazer o bastante para reprimir a tentação para a arrogância de que começa a dar sinais preocupantes.
Como cidadão avisado que sou, sei que nem todos os “pecados” em que o Presidente está a incorrer, com cada vez mais frequência, decorrem, apenas, da sua pouca tolerância para com ideias contrárias ou do seu deslumbramento com o (excessivo) poder.
O Presidente da República está rodeado de auxiliares que lhe cavam a cova à vista de todos.
Por exemplo, contemplar no Orçamento Geral de Estado ao Projecto Nascer para Brilhar verba infinitamente superior ao programa de luta contra a malária e a malnutrição dá ao Presidente da República a imagem de alguém que desconhece, em absoluto, a realidade do país. Além de que dá do Presidente da República a imagem de um fervoroso adepto e praticante do nepotismo.
O Projecto Nascer para Brilhar, vale a pena lembrar, é encabeçado pela esposa do Presidente da República.
Quem teve a “brilhante” ideia de sobrepor as necessidades financeiras do Nascer para Brilhar às dos programas de luta contra a malária e a malnutrição prestou mau serviço ao Presidente da República.
Quem convence o Presidente da República de que ir ao Kwanza Norte por estrada implica risco de vida presta-lhe muito mau serviço. A viagem de avião impede o Presidente da República do contacto com (esburacadas) estradas por que circulam os seus concidadãos.
A viagem de avião tira do ministro da Construção e Obras Públicas a pressão que sentiria se o Presidente da República tomasse contacto directo com as crateras por onde se contorcem os cidadãos.
Avisar com meses de antecedência governadores provinciais sobre as visitas do Presidente da República impede que ele tome contacto com a realidade. Permite que os governadores anfitriões maquilhem a realidade.
A nomeação de pessoas falecidas ou de arguidos em processos judiciais não pode ser apenas atribuído a uma qualquer casmurrice do Presidente da República. Isso resulta de falhas dos seus auxiliares.
É “trabalho” de gente para quem é mais cómodo deixar que o Presidente se espatife por completo do que alertá-lo para a iminência do choque.
Pensam exclusivamente nos seus interesses, na manutenção dos seus tachos, aqueles que, estando ao lado do Presidente, são incapazes de lhe dizer, por exemplo, que é prova de má governação a sucessiva adjudicação, sem concurso, de empreitadas públicas a um mesmo grupo empresarial.
Como cidadão, intriga-me que o Presidente do meu país viaje ao estrangeiro em luxuosas aeronaves alugadas, quando a TAAG tem aeronaves a “apodrecerem de ócio”.
Como cidadão, intriga-me que o Presidente do meu país ainda não se tenha dado conta que está rodeado de muitos amigos da onça.
Como cidadão, intriga-me que o Presidente da República, praticante de xadrez, se deixe manietar, ao ponto de hoje ser praticamente refém de um pequeno grupo de pessoas que, como no passado recente, depois de condicionarem José Eduardo dos Santos, privatizaram o Estado em seu benefício.
Intriga-me que o Presidente João Lourenço se comova com a cantoria de candidato único, ele que prometeu reformas para quebrar hábitos e costumes de velhos partidos comunistas.
Intriga-me que o Presidente dê crédito a escritos laudatórios num momento em que não há rumo a encorajar ou vitórias a celebrar.
O Presidente deveria duvidar da honestidade daqueles que lhe gabam a condução num momento em que a nau está completamente desgovernada.
Aqueles que, seja no Ministério das Finanças, seja no Ministério da Saúde articularam para que fosse atribuído ao projecto da primeira-dama verba superior à do Governo destinada a combater a malária e a malnutrição agiram no interesse próprio. Essa opção nada tem de engrandecedor para o Titular do Poder Executivo.
Aqueles auxiliares que disseram ao Presidente da República que seria péssima ideia autorizar o poiso, ontem, em Luanda, de uma aeronave que, seguramente, tinha a bordo angolanos que regressavam ao seu país, deram de João Lourenço a imagem de um monstro insensível.
Doravante, o Presidente de Angola será visto no mundo e, sobretudo na África Austral, como um homem que virou costas a seus próprios compatriotas.
No dia em que, como ensina Barack Obama, João Lourenço livrar-se dos bajuladores e chamar para junto de si pessoas que lhe avisem quando erra, seguramente Angola ganhará um outro Presidente da República.
(*) In Correio Angolenses
Imagem: Folha 8